Os Perigos do Deus Super-Homem

Nos tempos em que minha imaturidade espiritual era ainda mais forte, eu, inúmeras vezes, me via frustrado com Deus; essa frustração – como qualquer outra - se dava pelo fato de que eu, em minha ignorância, julgava que Deus, em algumas circunstâncias, agia com displicência ou até mesmo má fé para comigo. Usando termos tão baixos e de forma tão explícita parece até mesmo ridículo – e, de fato, o é – mas a triste verdade é que esse padrão de pensamento equivocado atinge muitos cristãos imaturos, cristãos experientes e, por mais esdrúxula que a afirmação soe, vários ateus.
Em nossa infantilidade nós tendemos, por muito tempo, anexar a ideia de Deus à uma versão amplificada e concentrada das nossas próprias qualidades. Isso, por si só, não causa problema algum. De fato, qualquer coisa boa que exista em nós foi e é concedida por Ele, de forma que a perfeição de todas as coisas boas em nós se encontram nEle. O problema é que, ao fazermos isso, nós projetamos de forma inconsciente nossos próprios defeitos nEle e nos frustramos quando as nossas próprias falhas são refletidas nEle por causa da nosso conceito errado. O salmista evidencia isso em Salmos 51:10:
“Ficaria Deus calado diante de tudo quanto tens feito? Pensavas que Eu era semelhante a ti? Eis, no entanto, que agora Eu te acusarei veementemente, sem omitir falta alguma!”
Ora, mas qual grande mal pode surgir? O mais terrível e hediondo: A descrença na bondade de YHWH. Em cristãos inexperientes isso acontece muito, e vários neófitos se perdem nesses pensamentos. Em ateus, isso leva a incredulidade. Mas me parece que as piores consequências acontecem nos crentes experientes, pois eles já não podem mais não crer. Foi isso com aconteceu com Moisés em Números 11:10-15, por exemplo:
“10 Moisés ouviu o povo chorar, cada família à entrada de sua tenda. A ira de Yahweh se inflamou com grande ardor, Moisés sentiu-se profundamente desgostoso, 11 e questionou o SENHOR: “Por que fazes mal a teu servo? Por que achei graça a teus olhos, visto que me impuseste o encargo de todo este povo? 12 Fui eu, porventura, que concebi todo este povo? Fui eu que o dei à luz, para que me digas: ‘Carrega-o em teus braços, como uma ama que aconchega e conduz um recém-nascido, a fim de levá-lo à terra que prometeste sob juramento a seus antepassados?’ 13 Onde poderei eu conseguir carne para dar a todo este povo? Eles insistem em suas queixas contra mim, chorando e exclamando: ‘Dá-nos carne para comer!’ 14 Não posso, eu sozinho, conduzir toda esta multidão de pessoas; essa é uma responsabilidade muito além das minhas forças. 15 Portanto, se é assim que desejas me tratar, então é melhor que me tires a vida agora mesmo! Se te agradas de mim, não me deixes ver a humilhação e minha própria ruína”
Moisés não se sentia capaz de conduzir o povo a terra prometida e, por isso, considerou que nem mesmo YHWH seria capaz de auxilia-lo. Esse frustração – ou desgosto – causou em Moisés uma profunda tristeza, um sentimento de abandono tão profundo que o fez desejar a morte. O mais triste é que Moisés era capaz, isso porquê o próprio Deus o preparou por mais de oitenta anos e, para além disso, Ele mesmo estava auxiliando Moisés na tarefa e tabernaculava no meio do povo Ele próprio. Ainda mais que isso: as ofensas do povo – que não foram poucas – não eram contra Moisés, mas sim contra o próprio Deus.
Moisés não foi o único crente maduro atingido por isso. Um dos mais célebres profetas de Israel, Elias, também teve o mesmo conceito errôneo. Assim nos narra em 1 Reis:
“1 Então o rei Acabe contou à sua esposa Jezabel tudo o que realizara Elias e como passara ao fio de espada todos os profetas de Baal. 2 Diante disso, Jezabel mandou um mensageiro a Elias com o seguinte recado: “Que os deuses me façam sofrer as piores desgraças, se até amanhã a esta hora eu não fizer com a tua vida o que fizeste com os profetas!” 3 Assim que Elias recebeu este aviso, fugiu para salvar a própria vida, chegando a Berseba, que pertence a Judá, deixou ali o seu servo. 4 Quanto a ele, fez pelo deserto a caminhada de um dia e foi sentar-se debaixo de um pé de giesta, uma espécie de arbusto, e ali orou pedindo para si a morte, dizendo: “Agora basta, ó Yahweh! Retira-me a vida, pois não sou melhor que meus pais!”
Elias, tal como um covarde, fugiu da rainha pagã. Ele amplificou essa falta de caráter a Deus, pois pensava que YHWH também seria intimidado e não seria capaz de enfrentar Jezabel.
O que nós devemos sempre entender é que, independente de quais são nossas frustrações com Deus, elas são sempre causadas por nossas próprias deficiências de caráter que nós inconscientemente anexamos a Deus porque muitos de nós, no fundo, não adoramos a YHWH mas sim o imaginário de uma versão concentrada de conceitos equivocados de virtude de nós mesmos. Ora, não podemos idealizar a virtude naquilo que nós mesmos somos deficientes e depravados – e todos nós o somos – , seria como tentar imaginar uma cor nova. Dessa maneira, sempre que nos curvamos ao nosso Deus super-homem estamos fadados a afundar em nossas próprias falhas e imperfeições até o Sheol.
Erick Galvão
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