Olá, eu sou o sacrifício
Sempre fui chamado de “milagre de Deus”. As circunstâncias
do meu nascimento foram atípicas. Mesmo
meu pai, sendo quem era, chegou em alguns momentos a duvidar que eu realmente
fosse existir. Contudo, se tem algo que eu aprendi ouvindo constantemente as
promessas que cercavam meu nascimento é que, quando o Deus de meu povo
estabelece uma aliança com alguém, a sua parte ele cumpre. Podemos até
fraquejar, mas ele permanece firme e sustenta o que disse.
Para ser sincero, durante muito tempo eu não entendi ao
certo do que se tratava tudo aquilo que falavam e tagarelavam. Eu orava para
aquele que chamavam de Senhor do Universo, ouvia com atenção as histórias que
meu pai contava e todos os dias antes de dormir, quando eu ia me despedir, minha
mãe me chamava de “filho da promessa”, mas, o que significava tudo aquilo?
Aquilo devia de alguma forma alterar a mim ou a minha vida? Por que insistiam
em me dizer aquilo? Tudo era meio obscuro para mim, até que, um dia, meu pai me
chamou e disse que na manhã seguinte faríamos uma pequena viagem. O nosso
destino era uma montanha e o nosso objetivo era oferecer um sacrifício. Sempre
acompanhava meu pai nessas situações. Ele sempre tinha um motivo para adorar,
fosse para agradecer, fosse para pedir ou fosse simplesmente por ordem do
Senhor. Já não perguntava mais o motivo, mas sabia que era importante, então ia
com ele.
Levantamos bem cedo aquele dia. Meu pai chamou dois servos
para irem conosco. Lembro-me de meu pai preparando a lenha para levar. Ele já
tinha idade avançada, mas não media esforços nessas situações. Então, no
terceiro dia de caminhada, meu pai fez um sinal para que parássemos e, enquanto
colocava a lenha nas minhas costas, disse aos servos que estavam conosco para
que esperassem até que voltássemos. Com a lenha nas costas e o cutelo na
cintura, continuei o caminho com meu pai. Então, algo me veio à mente. Ora,
tínhamos o cutelo para matar o animal do sacrifício e a lenha para queima-lo,
mas não tínhamos o animal para sacrificar. Ele me respondeu apenas que o Senhor
iria prover o cordeiro para si. Apesar de não entender, decidi não questionar.
Meu pai costumava saber o que falava, principalmente quando se tratava de algo
para Deus. Apenas continuei a caminhada que estava cada vez mais difícil, pois
a lenha parecia cada vez mais pesada.
Então, paramos. Meu pai disse que era o local indicado.
Depositei no chão meu fardo e o ajudei a carregar as pedras para construir o
altar. Estava tudo pronto, a não ser o cordeiro. Lembro-me de parar, com as
mãos na cintura e olhar ao redor. Pelas histórias que meu pai contava, me
parecia que fazer aparecer um cordeiro era algo pequeno. Então, durante minha
busca com o olhar, meus olhos pararam em meu pai. Ele me olhava como se
tentasse dizer algo, mas não conseguisse. Em suas mãos, as cordas que levamos para
prender o sacrifício. De repente, eu entendi. O Senhor exigia um sacrifício de
algo que considerávamos de valor, algo importante, com um significado
importante. Eu era importante para meu pai. Não só eu, mas tudo o que ele dizia
a meu respeito. Ele era motivado pela promessa que me cercava. Ele balbuciou
algumas palavras, mas já não era necessário. Apesar disso, deixei que falasse a
fim de que aquilo o aliviasse. Eu poderia ter fugido se quisesse. Mesmo depois
que deixei que ele me amarrasse, eu poderia ter tentado fugir. O cutelo que
carreguei era para me matar, a lenha que carreguei era para me transformar em
cinzas. Pareceu-me um tanto quanto cruel ter me feito transporta-los, mas,
muito tempo depois, aquilo fez sentido. Aquela situação não se tratava apenas
de mim. Já com as mãos e pés atados, me sentei sobre o altar, olhei para as
pedras que ajuntei e disse “olá, eu sou o sacrifício”. Com movimentos lentos me
deitei tentando encontrar aconchego naquele prelúdio. Meu pai levantava o cutelo
com calma. Por algum motivo não vi tristeza nele, apenas preocupação. O motivo
ficou bem claro para mim depois. À medida em que erguia o objeto que me
findaria ele acariciava meus cabelos. Com aquele carinho eu pude entender que
dizia “eu te amo” e, com o cutelo erguido, entendi que completava dizendo “mas
a vontade do Senhor prevalece”. Eu não conhecia o Senhor como o meu pai
conhecia mas, talvez pelas histórias ou pela certeza de que minhas orações eram
ouvidas, posso dizer que comecei a confiar nele. Então, mentalmente e com os
olhos fechados, concordei dizendo “sim, meu pai. Que a vontade do seu Deus
prevaleça”. Porém, no instante que achei que seria meu último momento, ouvi um
trovão alto. Não fazia sentido, já que o céu estava claro, azul e totalmente
livre de nuvens. Percebi, no entanto, que naquele trovão havia uma voz. Uma voz
alta, clara e estranhamente familiar. A voz seguinte foi a de meu pai
respondendo àquele trovão, que, por sua vez, ordenou que se afastasse de mim.
Lembro-me bem... Disse que eu era o filho amado de meu pai e que, mesmo assim,
não me negou a Deus, mostrando sua fidelidade para com ele. A partir dali,
passei a admirar ainda mais aquele homem. Alguns segundos depois que a voz se
calou, meu pai saiu do meu campo de visão. Quando se aproximou de novo, estava
com um carneiro nas mãos. Eu já sabia de onde havia surgido aquele animal. Com
certo esforço, que foi impulsionado por um enorme alívio, soltei as cordas que
me prendiam. Meu pai ofereceu aquele carneiro em holocausto. Eu já havia
presenciado outros sacrifícios, mas aquele foi diferente. Eu havia estado com
aquele que recebia os sacrifícios. Eu o ouvi. Ele me salvou.
Em um gesto brusco, meu pai levantou os braços e gritou “Yahweh-Jireh”.
Eu sorri com aquela cena e, tão forte quanto aquele trovão, me vieram
pensamentos. Meu pai estava a declarar em alto e bom som que o Senhor proverá.
Ele nunca pensou que o Senhor fosse me levar, pois, assim, a promessa se encerraria
sem ser cumprida. O Senhor proveu o sacrifício naquele dia. Anos antes, o
Senhor me proveu. Eu era a provisão de Deus para meu pai. Eu era a provisão de
Deus para a aliança. Eu era a prova da aliança de Deus. E, agora, eu o
conhecia. A partir dali, não conseguia chama-lo mais de “Deus de meu pai”, ele
era o meu Deus. Por fim, ouvi na voz do Senhor a promessa e a bênção que por
tantas vezes ouvi sendo proferidas pela voz de meu pai e, pela primeira vez,
compreendi que também eram para mim. Meu Deus era e ainda seria muito bom para
comigo, desde meu nascimento até a minha descendência.
A partir de então, a cada dia quis conhece-lo mais um pouco,
a cada dia busquei ser mais servo dele para que ele pudesse ser cada vez mais o
meu Senhor. Eu havia o descoberto e, assim, também me descobri. Aquilo me
mudou, me moldou e me iluminou. Depois daquilo, todos as vezes em que eu ia
para o campo orar, olhava para o alto e dizia “olá, eu sou o sacrifício”.
Taínny Galvão

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